Jesus sabe exatamente o que é tomar um cálice indesejado. Inclusive até orou para ver se seria possível ficar livre daquele cálice específico, pessoal, unicamente dele. Mas, como sabemos, não foi possível. Nessa vida também temos nossos particulares cálices para beber. Cálices que ninguém tomará em nosso lugar.
São copos cheios de lágrimas. Sabor e líquido que ninguém quer beber. Porém, vários copos, ao longo da vida, são servidos cheios, repletos de lágrimas para que cada um de nós, sem qualquer outra alternativa, beba, sentindo a dor de cada gota de lágrima que enche copos e mais copos ao longo da nossa jornada.
E de onde vem tanta lágrima para tantos copos? A fonte está bem aí, são seus olhos, são lágrimas que brotam do coração aflito, angustiado, deprimido, abatido e amedrontado por tantas notícias ruins, lutos, perdas, contágios, desesperos, falências, derrotas. Tudo isso produz lágrimas, enchente de lágrimas, nossas lágrimas.
A expressão foi milimetricamente usada na poesia do salmista. No Salmo 80:5 o poeta hebraico, num texto no qual reconhece os erros da própria nação, declara: “Tu nos deste tristeza como alimento e nos fizeste beber copos cheios de lágrimas”. Via de regra a história se repete, erramos, caímos, pecamos contra o Eterno, até que chega a colheita das escolhas que fizemos.
É sempre assim? Evidente que não. Também existem os sofrimentos que se assemelham aos que Jó sofreu, sem culpa, sem escolhas mal-feitas, sem qualquer erro para se merecer sofrimentos inexplicáveis. Mas sabemos que a história de Jó entra na categoria das exceções, e não do que é regra. O que a Bíblia deixa claro ao longo de toda sua narrativa é a lei da colheita conforme a semeadura.
E é exatamente este o apelo do salmista frente aos muitos copos cheios de lágrimas, sabedor que ele, juntamente com seu povo que sofria, foram plantados pelo próprio Senhor, ele coloca intensidade na sua oração no versículo 14: “Ó Deus dos Exércitos, suplicamos que voltes! Olha dos céus e vê a nossa aflição. Cuida desta videira que Tu mesmo plantaste, o filho que criaste para Ti”.
Perfeito. Lindo. Verdadeiro. Humilde. O salmista não procura se justificar, apenas apela para o fato de ser um filho e de ter sido plantado como videira pelo próprio Senhor. É como se ele dissesse: “Errei, eu sei! Pequei. Envergonhei o nome da nossa família. Mas sou teu filho, é a nossa casa. Me aceita, me defende, me perdoa, me ajuda!”
Os copos podem estar cheios de lágrimas, mas continuamos na condição de filhos. Jesus tomou seu cálice imerecido. Tomemos nós nossos copos cheios de lágrimas causadas na maioria das vezes por nós mesmos, portanto, merecidos. Ele nos ajudará, nos perdoará, nos socorrerá. Então finalmente, oremos a última frase do Salmo 80, “Que a luz do teu rosto brilhe sobre nós; só então seremos salvos.”
Edmilson Ferreira Mendes é escritor, pastor, teólogo, observador da vida.
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